Hoje publico um texto que nao é meu. Mas que tem muito a ver com o que aqui tenho escrito até agora. Agradeço a Nara Peruzzo por deixar-se provocar pelos "pensieri deboli" desse blog e reagir assim: escrevendo.
A BUSCA DA TRANSCENDÊNCIA
1. Contextualização
O Modernismo, iniciado com o Renascimento, provocou uma mudança radical nas estruturas tradicionais a respeito do modo de pensar e de interpretar os dogmas, ritos religiosos, principalmente no catolicismo e no protestantismo.
“[...] O modernismo foi uma crítica radical ao sistema moral da cristandade, ao clericalismo e ao dogmatismo que reinava na Igreja católica. Foi a apreensão das aspirações de uma teologia mais secularizada e da busca de outras formas de organização social e política. Foi também uma busca de libertação e uma tentativa de rompimento com um velho esquema que se solidificou pela integração de paganismo, cristandade e colonialismo.” (Kolling, 1994, p. 14)
Este movimento provocou muitos abalos na fé, pois, segundo Kolling[1], apostou no progessismo. “Curiosamente, todo esse movimento, que na volta ao passado encontrou forças para apontar um outro futuro, o do iluminismo, tornou-se mais tarde, tão totalizador quanto ao sistema da cristandade que motivou seu surgimento” (Kolling, 1994, p. 14).
Como sabemos, todo sistema totalizador oprime e impede a diversidade. E aqueles que são oprimidos partem em busca da libertação e do reconhecimento. Foi justamente o que aconteceu com a Europa, que após “acabar” com a expansão islâmica (Cruzadas), com a ajuda dos católicos, tornou-se “a dona do mundo”, não somente no campo religioso, mas político, econômico e social. Em contrapartida surgem dezenas de ramificações de Igrejas Cristãs “Protestantes” e movimentos contra essa “dominação”. Não objetivamos adentrar nos pormenores dessa temática, apenas contextualizá-la.
As conseqüências éticas-pragmáticas desses movimentos presenciamos ainda hoje em nosso meio, talvez de forma mais intensa. Só que ao contrário daquela época que o opositor era uma instituição, hoje é um sistema. O sistema capitalista neo-liberal. Tudo virou mercadoria: as relações humanas, as ciências, o meio-ambiente... O grande objetivo é acumular bens, propriedades (=poder). A palavra chave é o progresso. A verdade é a ciência.
Vivenciamos a era de especialidades, de fragmentação. O ser humano deixou de ser um todo para ser partes. Para dor de cabeça há o neurologista, para a dor de coração, o cargiologista, para a depressão, o psicólogo, para os “desejos”, o mercado. Nesse emaranhado de ciências, de novas especializações que consideram o ser humano um ser mecânico, quem “cuida” da teleologia do ser humano? Exemplificando, é como se tivéssemos quebrado um copo e cada qual se ocupasse com apenas um dos cacos. O caco do copo não é o copo, ele é apenas uma parte do copo. E o copo deixa de cumprir sua finalidade quando é caco.
Antropologicamente falando, o ser humano, segundo Lima Vaz, é pessoa. E pessoa é a totalidade das categorias de objetividade, de subjetividade e de transcendência. Ao considerarmos apenas uma dessas categorias estaremos vendo parte do ser humano e não o todo.
As relações que surgem nesse processo também são relativas e fragmentárias. Pois além de ver somente as partes, também são fundamentadas no econômico. Conseqüentemente, tudo vira mercadoria. E a relação sujeito-sujeito é substituída pela relação sujeito-objeto.
2. Busca da Transcendência
Neste contexto, busca-se na religião um espaço de reconhecimento e de conforto. Para elucidar essa minha idéia exemplificarei. Uma mãe de família, desempregada, casada com um operário e com dois filhos adolescentes. A renda familiar não é mais suficiente para suprir as necessidades básicas da família. E como todo mãe, quer dar para os filhos estudo, profissão... e a cada dia vê isso se tornar impossível. A mãe começa a ficar doente e procura um Pronto Atendimento. O médico mal a olha, e a escuta o mínimo possível, pois tem muita gente a atender ainda. Em cinco minutos receita um remédio. E está encerrada a consulta.Quando chega em casa a vizinha a convida para ir a Igreja. Chega lá é acolhida por todos, o Pastor a escuta, dá uma benção, motiva a comunidade para uma corrente de oração e ainda a visita na sua casa. Em poucos dias a mãe melhora. E eternamente fica agradecida ao Pastor, pois ele realizou o milagre da cura.
O exemplo é simples, mas demonstra, como o fenômeno religioso que presenciamos atualmente é a busca pela totalidade do ser humano.
O ser humano é um ser de busca, de sede do infinito, quando isso é sufocado de alguma maneira, em algum lugar estoura. E é o que está acontecendo. Vemos infinitas religiões, seitas surgirem com o objetivo de salvar o ser humano. No entanto, também esse fenômeno está dentro da lógica de fragmentação, pois não considera o todo do ser humano, mas apenas a sua dimensão transcendente. E ao considerar apenas uma das dimensões humana se torna reprodutora do sistema, tornando-se um mercado que oferece um produto que está em falta e que concorre com os outros fornecedores. Conseqüentemente, para garantir o seu espaço manipula e domina. Quando deveria ser o espaço de encontro, de vivência com o mistério, do descobrir-se humano, do celebrar a vida, da libertação.
Para concluir, gostaríamos de citar Staccone: “ O Ser humano não se basta a si próprio, pois desde as primeiras e mais remotas manifestações de sua atividade intelectual saiu à procura do Outro Infinito. [...] O ser humano moderno não basta-se a si mesmo. Ele também tem sede do infinito e do encontro com o totalmente Outro que busca angustiado, mesmo sem o saber. No caminho, o mais angustiante é caminhar sozinho, sobretudo quando o terreno que pisamos é desconhecido. E o caminho para Deus se faz na solidão e sem rumos predefinidos, cabendo à razão não maltratar o mistério”
[1] KOLLING, João Inácio. Religião e Pós-Modernidade. Passo Fundo: Berthier, 1994.
1. Contextualização
O Modernismo, iniciado com o Renascimento, provocou uma mudança radical nas estruturas tradicionais a respeito do modo de pensar e de interpretar os dogmas, ritos religiosos, principalmente no catolicismo e no protestantismo.
“[...] O modernismo foi uma crítica radical ao sistema moral da cristandade, ao clericalismo e ao dogmatismo que reinava na Igreja católica. Foi a apreensão das aspirações de uma teologia mais secularizada e da busca de outras formas de organização social e política. Foi também uma busca de libertação e uma tentativa de rompimento com um velho esquema que se solidificou pela integração de paganismo, cristandade e colonialismo.” (Kolling, 1994, p. 14)
Este movimento provocou muitos abalos na fé, pois, segundo Kolling[1], apostou no progessismo. “Curiosamente, todo esse movimento, que na volta ao passado encontrou forças para apontar um outro futuro, o do iluminismo, tornou-se mais tarde, tão totalizador quanto ao sistema da cristandade que motivou seu surgimento” (Kolling, 1994, p. 14).
Como sabemos, todo sistema totalizador oprime e impede a diversidade. E aqueles que são oprimidos partem em busca da libertação e do reconhecimento. Foi justamente o que aconteceu com a Europa, que após “acabar” com a expansão islâmica (Cruzadas), com a ajuda dos católicos, tornou-se “a dona do mundo”, não somente no campo religioso, mas político, econômico e social. Em contrapartida surgem dezenas de ramificações de Igrejas Cristãs “Protestantes” e movimentos contra essa “dominação”. Não objetivamos adentrar nos pormenores dessa temática, apenas contextualizá-la.
As conseqüências éticas-pragmáticas desses movimentos presenciamos ainda hoje em nosso meio, talvez de forma mais intensa. Só que ao contrário daquela época que o opositor era uma instituição, hoje é um sistema. O sistema capitalista neo-liberal. Tudo virou mercadoria: as relações humanas, as ciências, o meio-ambiente... O grande objetivo é acumular bens, propriedades (=poder). A palavra chave é o progresso. A verdade é a ciência.
Vivenciamos a era de especialidades, de fragmentação. O ser humano deixou de ser um todo para ser partes. Para dor de cabeça há o neurologista, para a dor de coração, o cargiologista, para a depressão, o psicólogo, para os “desejos”, o mercado. Nesse emaranhado de ciências, de novas especializações que consideram o ser humano um ser mecânico, quem “cuida” da teleologia do ser humano? Exemplificando, é como se tivéssemos quebrado um copo e cada qual se ocupasse com apenas um dos cacos. O caco do copo não é o copo, ele é apenas uma parte do copo. E o copo deixa de cumprir sua finalidade quando é caco.
Antropologicamente falando, o ser humano, segundo Lima Vaz, é pessoa. E pessoa é a totalidade das categorias de objetividade, de subjetividade e de transcendência. Ao considerarmos apenas uma dessas categorias estaremos vendo parte do ser humano e não o todo.
As relações que surgem nesse processo também são relativas e fragmentárias. Pois além de ver somente as partes, também são fundamentadas no econômico. Conseqüentemente, tudo vira mercadoria. E a relação sujeito-sujeito é substituída pela relação sujeito-objeto.
2. Busca da Transcendência
Neste contexto, busca-se na religião um espaço de reconhecimento e de conforto. Para elucidar essa minha idéia exemplificarei. Uma mãe de família, desempregada, casada com um operário e com dois filhos adolescentes. A renda familiar não é mais suficiente para suprir as necessidades básicas da família. E como todo mãe, quer dar para os filhos estudo, profissão... e a cada dia vê isso se tornar impossível. A mãe começa a ficar doente e procura um Pronto Atendimento. O médico mal a olha, e a escuta o mínimo possível, pois tem muita gente a atender ainda. Em cinco minutos receita um remédio. E está encerrada a consulta.Quando chega em casa a vizinha a convida para ir a Igreja. Chega lá é acolhida por todos, o Pastor a escuta, dá uma benção, motiva a comunidade para uma corrente de oração e ainda a visita na sua casa. Em poucos dias a mãe melhora. E eternamente fica agradecida ao Pastor, pois ele realizou o milagre da cura.
O exemplo é simples, mas demonstra, como o fenômeno religioso que presenciamos atualmente é a busca pela totalidade do ser humano.
O ser humano é um ser de busca, de sede do infinito, quando isso é sufocado de alguma maneira, em algum lugar estoura. E é o que está acontecendo. Vemos infinitas religiões, seitas surgirem com o objetivo de salvar o ser humano. No entanto, também esse fenômeno está dentro da lógica de fragmentação, pois não considera o todo do ser humano, mas apenas a sua dimensão transcendente. E ao considerar apenas uma das dimensões humana se torna reprodutora do sistema, tornando-se um mercado que oferece um produto que está em falta e que concorre com os outros fornecedores. Conseqüentemente, para garantir o seu espaço manipula e domina. Quando deveria ser o espaço de encontro, de vivência com o mistério, do descobrir-se humano, do celebrar a vida, da libertação.
Para concluir, gostaríamos de citar Staccone: “ O Ser humano não se basta a si próprio, pois desde as primeiras e mais remotas manifestações de sua atividade intelectual saiu à procura do Outro Infinito. [...] O ser humano moderno não basta-se a si mesmo. Ele também tem sede do infinito e do encontro com o totalmente Outro que busca angustiado, mesmo sem o saber. No caminho, o mais angustiante é caminhar sozinho, sobretudo quando o terreno que pisamos é desconhecido. E o caminho para Deus se faz na solidão e sem rumos predefinidos, cabendo à razão não maltratar o mistério”
[1] KOLLING, João Inácio. Religião e Pós-Modernidade. Passo Fundo: Berthier, 1994.
2 comentários:
No texto, encontramos um conceito de pessoa que, segundo meu ver, está equivocado. Ele, em meu entendimento, deisgna um esr que tem relaçÕes sociais, políticas. Acho que se devia por o termo "humano", conceito que inclui o transcendente).
"COnsequências éticas-pragmáticas"; se são éticas, são relativas a princípios universais; se são pragmáticas, têm caráter prático, ou seja, moral, comportamental. Se se queria dizer ambas as coisas, bem que poderia se evitar essa forma, no mínimo, estranha de dizer duas coisas que se encontram em diferentes níveis de realidade.
Afirma-se que "atualmente" é buscada a totalidade do ser humano; ora, sempre e em todas as grandes religiões (budismo, islamismo,judaísmo, hinduísmo e cristianismo) a busca da totalidade aconteceu (se discordarmos aqui, será porque estamos falando de totalidades diferentes, o que me parece estranho...). O que difere de uma época para outra é a comprensão de como organizar as relacões sociais (e estruturas religiosas) para, digamos, favorecer tal chegada à totalidade mesma. Assim, no feudalismo também se procurava (a sociedade européia em geral) uma tal totalidade, por exemplo. Logo, tal jornada não é característica específica da atualidade.
No fundo, o que se protesta com esse texto (e todo o escrito é um escrito de protesto, como bem afirmou o louco Nietzsche), segundo minha leitura, é a extrema fragmantação do humano (que começou, pra mim, com Platão e seus mundos inteligível e sensível, reforçada grandemente pelo dualismo cartesiano de corpo/mente). Nesse protesto, se anuncia também a necessidade de uma volta ao encontro da totalidade (fala-se em "busca" dessa...). Sobre esse assunto, se fala há décadas, com os conceitos de holismo, educação/formação integral etc, enfim, "nova era" (Alguns diriam que se fala desde 1875... com os escritos de H. Blavatski.)
F. Capra fala bem sobre isso (a busca pelo integral) no clássico "The Turning Point" (O Ponto de Mutação, ed. Cultrix, SP).
Ou seja, é um texto bom, pois contextualizado em uma realidade tal que precisa que se diga: "chega de especialistas ('saber quase tudo de quase nada'), chega de fragmentações! Queremos é viver completamente nossa historicidade natural!".
Isaque, fico feliz pelo comentario. Mas como dizia o poeta entre aquele que escreveu e aquele que leu ha uma longa distancia... cada um le com os olhos da sua alma...
Primeiro, qdo uso o conceito de pessoa, me refiro, ao conceito elaborado por Lima Vaz, em sua obra Antropologia Filosofica I e II (otima sugestao de leitura) e nesse conceito, como menciono no texto, nao esta excluso o transcendente, pelo contrario, nele esta presente a objetividade, a subjetividade e a transcendencia. E como poderia o ser humano nao ser politico e nem social? vivemos em sociedadde. Particularmente, tb preferiria o Estado de Natureza de Rousseau, mas isso nao convem no momento.
Segundo. Nao vejo que usar o termo: etico-pragmatico seja estranha ou que destonan de realidade. Uso os dois termos justamente para referir-me a etica resultante do pragmatismo.
Terceiro. O termo "atualmente" no texto refere-se ao fenomeno religioso, tal qual presenciamos hoje, e nao a busca pela totalidade. Em nenhum momento disse que a busca pela totalidade seja exclusividade da contemporaneidade. E qdo refiro-me a totalidade, é para aquela compreensao de pessoa (objetividade, subjetividade e transcendia) que estou olhando.
Nao sei se protesto ou se desabafo no presente texto. Mas nesse desabafo confuso, tento dizer que temos necessidade do OUTRO, que precisamos ser "copos" e nao cacos.
Isaque, essas sao minhas consideraçoes, se sao aceitaveis ou nao, nao sei, mas as fiz. Obrigada por ler o texto e fazer ponderaçoes... ate senti saudades dos meus tempos de aula... Adoraria dialogar mais vezes...
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